Carros de madeira!
Fluíam-se entretanto o início/meados da década de oitenta!... Os dias de verão tórrido e a subsequência dos escaldões que se propagavam sobre as peles expostas da juventude ingénua, cuja moça ignorância cegava-se pela adrenalina duma geração pouco informada acerca das cautelas que lhes asseguravam dos males que hoje todos conhecem; em épocas de pouca informação oriunda dos computadores e do mundo virtual, estes que na altura se avistavam apenas em filmes de ficção científica; e, nos tempos em que a hiperatividade adolescente designava-se por maluquice, onde a birra e a baboseira nunca conheceram o seu verdadeiro psicólogo, a construção artesanal de carrinhos de madeira partia sempre do improviso dos jovens adolescentes, dos quais, a imatura criatividade dispunha apenas das mais simples e tradicionais matérias primas da localidade! As tábuas; os galhos de urze; os resíduos de pneus automóveis; bem como, os fios de arame e pouco mais, completavam o material necessário para dar início ao fabrico dos “meios de transporte”, que numa espécie de carros de corridas loucas nunca garantiram qualquer segurança à integridade física dos seus pequenos “chauffeurs”! Este já extinto património cultural partia do exemplo precioso e de um paradigma que fora herdado dos seus ascendentes, que serviu e de que maneira, para preencher os longos dias da borga; os outros tempos da brincadeira e da ocupação dos tempos livres! Foram costumes e tradições de outras décadas que com a chegada da evolução tecnológica tudo obteve o seu ponto final!...
Nunca sem antes serem carregados às costas que nem cangas animais até ao seu ponto de partida, na Atouguia e do cimo do Lombo, da montanha, à sua base, o calhau! Nomeadamente, “do jogo da bola” à serra d’água (onde recentemente fora construído o Hotel Saccharum), patenteava-se um dos trajetos dos tais carros de madeira, de fabrico artesanal, que estavam moldados para serem movidos em função da gravidade do planeta e onde a teoria da deslocação regia-se somente pelo velho ditado: " a descer todos os santos empurram"!
Estas corridas que por ladeira abaixo faziam-se por norma em grupos, longas e loucas, a alta velocidade imposta sobre a calçada irregular e inclinada; o barulho e os gritos de divertimento adolescente, bem como, o perigo exposto aos participantes e não só, por cada metro do percurso, via-se e ouvia-se! Sem dúvida, seria esta a “fanfarra” a causadora de um dos mais dormentes formigueiros no rabo que alguém possa ter registado em memória! Ao regresso no final, a todo aquele fastio sobreponha-se à canga de todas as engenhocas de madeira que por ladeira àcima tinham que voltar para casa..
- Quirino Vieira